Caneleira
A revista francesa “Cueillir,
se nourrir, se soigner”, de novembro de 2024, apresenta um dilatado
texto sobre as benfazejas qualidades da canela. Esse foi o motivo próximo que
me levou a integrá-la nas minhas habituais croniquetas de fitoterapia.
O pó de canela e o pau da
mesma, têm uso corriqueiro na culinária e são por demais conhecidos mas, a
caneleira, ou seja, a árvore donde provem a canela, alguém a conhece?
Ginasticando a memória, recordo que, há anos, quando estive em Goa, o estado
mais pequeno da Índia, mas, para nós portugueses, o mais crucial, visitei um
espetacular parque botânico onde me deparei com várias espécies tropicais,
entre as quais, a caneleira. Estava um intenso calor húmido e cada visitante
foi brindado com uma vasilha de água gelada deitada pelas costas abaixo. Por
fim, tivemos o almoço frutívoro e vegetariano, servido em pratos feitos por
folhas entrançadas de bananeira e provámos o feni (aguardente fabricada a
partir da fermentação do fruto do caju). De pouco mais me lembro! Vamos então
descrever a caneleira!
É árvore perene que logra ultrapassar os 10 metros de altura, cujo tronco é revestido de uma casca (que é a que nos interessa), com espessura que chega a atingir os 13 mm. As folhas são alternadas e por vezes, opostas, de forma elíptica ou lanceolada e com nervuras muito salientes. As flores são brancas e surgem em panícula. Os frutos, quando maduros têm cores escuras arroxeadas.
A caneleira é uma espécie
tropical da família das Lauraceae, nativa do Sri Lanka, da Índia e de
outras regiões do sul da Ásia. Previne a revista que há duas espécies mais
conhecidas e utilizadas: a Cinnamomum zeylanicum, também conhecida como verum
e a Cinnamomum cassia ou aromaticum. A primeira é a mais
importante, a verdadeira. A segunda, menos conceituada, tem um preço de venda
bastante mais baixo mas, possui alguns inconvenientes fitoterápicos, como vamos
ver. Na verdade, há cerca de quatro dezenas de espécies de caneleiras, contudo,
as referidas são as que produzem a canela que encontramos no mercado.
O Sri Lanka, ou Ceilão, é
o país que exporta mais canela, chamada a verdadeira, extraída da entrecasca do
tronco e dos ramos da árvore. Eis os seus principais componentes: óleo
essencial aromático, taninos, hidratos de carbono, açúcares, vitaminas C, E, K,
cálcio, ferro, magnésio, fósforo e potássio. A espécie cassia contem,
mais ou menos, os mesmos componentes e propriedades terapêuticas mas, possui um
teor elevado de uma toxina vegetal, chamada “cumarina”, enquanto a do Ceilão
contém apenas vestígios. Acrescente-se que a citada toxina pode ser prejudicial
para o fígado, se ingerida regularmente.
Posta esta precaução que
nos leva a optar sempre pela verdadeira canela, embora não seja fácil a
distinção no produto final, salientemos as virtudes duma especiaria que motivou
os navegadores portugueses a passar ainda além da Taprobana (Ceilão, ou Sri Lanka),
como escreveu o épico Camões, nos Lusíadas.
Utilizada há milhares de anos na lendária medicina tradicional ayurvédica, a canela alcandorou merecido prestígio que se estendeu posteriormente a todo o resto do mundo. Comprovaram-se as suas propriedades antioxidantes, antissépticas, antivirais, anti-bacterianas, anti-parasitárias e elencaram-se uma panóplia de virtudes terapêuticas, a saber: controlo da diabetes, estímulo cerebral, melhoria da capacidade cognitiva, protege o coração, melhora o humor, favorece a circulação sanguínea, auxilia a digestão, alivia as dores estomacais e intestinais, reduz bronquites, asma e gripes, favorece o emagrecimento, tem efeitos afrodisíacos, retarda cancros, Alzheimer e Parkinson… Será preciso acrescentar mais!?
A revista consultada
encima sugestivamente o artigo, cujo título não traduzo, para manter o “charme”
francófono: Mettez une pincée de bien-être dans votre quotidien: adoptez la
cannelle!
Entre
considerandos de natureza científica, vem a descrição de um “chá” de fácil
elaboração que aproveito para transcrever: coloca-se um pau de canela
triturado numa chávena de água a ferver, deixa-se repousar durante dez minutos,
toma-se em seguida. Diz-se que o efeito é garantido pois facilita a digestão e
alivia a fadiga, quer seja intelectual, quer seja física.
Em
culinária é vasta a sua utilização. A edição inglesa “Spices in the Kitchen”,
editada em Singapura, apresenta, no capítulo “Massalas”, uma pormenorizada
descrição de misturas de especiarias onde a canela está sempre presente. Entre
nós, portugueses, a canela entra abundantemente nas doçarias, com destaque para
os pastéis de nata e o arroz-doce. Chega
até a ter contornos artísticos. Conheço uma querida dama que, com o pó de
canela, enfeita com primorosos desenhos os pratos do arroz doce, anotando
sedutoras palavras como “Feliz Natal”, “Parabéns” e outras
adequadas às comemorações festivas.
Miguel Boieiro, Janeiro de 2025.