Monday, January 20, 2025

 


Caneleira

A revista francesa Cueillir, se nourrir, se soigner”, de novembro de 2024, apresenta um dilatado texto sobre as benfazejas qualidades da canela. Esse foi o motivo próximo que me levou a integrá-la nas minhas habituais croniquetas de fitoterapia.

O pó de canela e o pau da mesma, têm uso corriqueiro na culinária e são por demais conhecidos mas, a caneleira, ou seja, a árvore donde provem a canela, alguém a conhece? Ginasticando a memória, recordo que, há anos, quando estive em Goa, o estado mais pequeno da Índia, mas, para nós portugueses, o mais crucial, visitei um espetacular parque botânico onde me deparei com várias espécies tropicais, entre as quais, a caneleira. Estava um intenso calor húmido e cada visitante foi brindado com uma vasilha de água gelada deitada pelas costas abaixo. Por fim, tivemos o almoço frutívoro e vegetariano, servido em pratos feitos por folhas entrançadas de bananeira e provámos o feni (aguardente fabricada a partir da fermentação do fruto do caju). De pouco mais me lembro! Vamos então descrever a caneleira!

É árvore perene que logra ultrapassar os 10 metros de altura, cujo tronco é revestido de uma casca (que é a que nos interessa), com espessura que chega a atingir os 13 mm. As folhas são alternadas e por vezes, opostas, de forma elíptica ou lanceolada e com nervuras muito salientes. As flores são brancas e surgem em panícula. Os frutos, quando maduros têm cores escuras arroxeadas.

A caneleira é uma espécie tropical da família das Lauraceae, nativa do Sri Lanka, da Índia e de outras regiões do sul da Ásia. Previne a revista que há duas espécies mais conhecidas e utilizadas: a Cinnamomum zeylanicum, também conhecida como verum e a Cinnamomum cassia ou aromaticum. A primeira é a mais importante, a verdadeira. A segunda, menos conceituada, tem um preço de venda bastante mais baixo mas, possui alguns inconvenientes fitoterápicos, como vamos ver. Na verdade, há cerca de quatro dezenas de espécies de caneleiras, contudo, as referidas são as que produzem a canela que encontramos no mercado.

O Sri Lanka, ou Ceilão, é o país que exporta mais canela, chamada a verdadeira, extraída da entrecasca do tronco e dos ramos da árvore. Eis os seus principais componentes: óleo essencial aromático, taninos, hidratos de carbono, açúcares, vitaminas C, E, K, cálcio, ferro, magnésio, fósforo e potássio. A espécie cassia contem, mais ou menos, os mesmos componentes e propriedades terapêuticas mas, possui um teor elevado de uma toxina vegetal, chamada “cumarina”, enquanto a do Ceilão contém apenas vestígios. Acrescente-se que a citada toxina pode ser prejudicial para o fígado, se ingerida regularmente.

Posta esta precaução que nos leva a optar sempre pela verdadeira canela, embora não seja fácil a distinção no produto final, salientemos as virtudes duma especiaria que motivou os navegadores portugueses a passar ainda além da Taprobana (Ceilão, ou Sri Lanka), como escreveu o épico Camões, nos Lusíadas.

Utilizada há milhares de anos na lendária medicina tradicional ayurvédica, a canela alcandorou merecido prestígio que se estendeu posteriormente a todo o resto do mundo. Comprovaram-se as suas propriedades antioxidantes, antissépticas, antivirais, anti-bacterianas, anti-parasitárias e elencaram-se uma panóplia de virtudes terapêuticas, a saber: controlo da diabetes, estímulo cerebral, melhoria da capacidade cognitiva,  protege o coração, melhora o humor, favorece a circulação sanguínea, auxilia a digestão, alivia as dores estomacais  e intestinais, reduz bronquites, asma e gripes, favorece o emagrecimento, tem efeitos afrodisíacos, retarda cancros, Alzheimer e Parkinson… Será preciso acrescentar mais!?

A revista consultada encima sugestivamente o artigo, cujo título não traduzo, para manter o “charme” francófono: Mettez une pincée de bien-être dans votre quotidien: adoptez la cannelle!

Entre considerandos de natureza científica, vem a descrição de um “chá” de fácil elaboração que aproveito para transcrever: coloca-se um pau de canela triturado numa chávena de água a ferver, deixa-se repousar durante dez minutos, toma-se em seguida. Diz-se que o efeito é garantido pois facilita a digestão e alivia a fadiga, quer seja intelectual, quer seja física.

Em culinária é vasta a sua utilização. A edição inglesa “Spices in the Kitchen”, editada em Singapura, apresenta, no capítulo “Massalas”, uma pormenorizada descrição de misturas de especiarias onde a canela está sempre presente. Entre nós, portugueses, a canela entra abundantemente nas doçarias, com destaque para os pastéis de nata e o arroz-doce.  Chega até a ter contornos artísticos. Conheço uma querida dama que, com o pó de canela, enfeita com primorosos desenhos os pratos do arroz doce, anotando sedutoras palavras como “Feliz Natal”, “Parabéns” e outras adequadas às comemorações festivas.

Miguel Boieiro, Janeiro de 2025.

 

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