CHEROVIA OU PATISNACA
Por: Miguel
Boieiro
As conquistas tecnológicas alcançadas
nos últimos decénios, a ânsia febril de avançar sempre para diante, o
encantamento pueril face às crescentes descobertas científicas suscetíveis de
proporcionarem riqueza, prazer e poder, obliteraram, quase por completo, as
recordações, quiçá, os preciosos ensinamentos de um passado ainda recente. Isso
aconteceu em todos os setores da vida. A filosofia do “impossível é possível”,
indubitavelmente plena de otimismo no que se refere às capacidades humanas, mas
imbuída de ingenuidades, retirou espaço às reflexões necessárias para uma
continuidade da evolução humana que se desejaria em progressão aritmética,
medida cuidadosamente passo a passo. Imposta que foi uma severa pausa neste
apressado processo, é agora oportuno interligar o passado ao presente para
planear o devir de maneira mais sisuda, sem os devaneios encantatórios que nos
enlearam.
Um dos aspetos mais marcantes deste
fenómeno foi a mundialização mediática, generalizando os conhecimentos e as
opiniões com extrema rapidez. A qualquer cidadão, bastará um clique, para se
inteirar ou ficar enganado, se desprevenido, sobre o que se passa em qualquer
pontículo do globo terrestre. Nunca como antes se tornou urgente desenvolver em
todas as mentes um agudo sentido crítico sobre as novidades que nos chegam em
catadupa, tentando descobrir a quem aproveita a difusão de certas “novidades”.
Bem, mas o introito já vai demasiado
longo e há que fazer a ponte para a presente croniqueta.
A cherovia que hoje encontramos à venda nas grandes superfícies era, para este cronista, praticamente desconhecida nesse tempo em que a circulação de notícias, de géneros e de vírus estava ainda escassamente globalizada. Vi, pela primeira vez, esta espécie de cenoura branca nas imediações da Covilhã, considerada a capital da cherovia - Festa da Charovia, como dizem na Covilhã, de 22 a 25 de setembro no centro da cidade -, e logo ficou despoletada a curiosidade de a conhecer melhor.
A cherovia ou pastinaca, designada
cientificamente por Pastinaca sativa
é uma Apiaceae bienal que gosta, tal
como a sua irmã, Daucus sativus, de
terrenos arenosos permeáveis e frescos. Não medra bem em climas quentes e
secos, necessitando de geadas para se desenvolver. Possui uma raiz pivotante
carnuda de coloração branca amarfinada com radículas secundárias. As suas
folhas são grandes, levemente peludas, com longos pecíolos, apresentando-se em
folíolos lobulados imparipinulados de cor verde escura.
Inicialmente, o caule é curto e as
folhas formam uma roseta basal, porém, no segundo ano, a planta emite um
espigão vigoroso que pode alcançar dois metros de altura. Surgem então as
pequeníssimas flores de cinco pétalas amareladas dispostas em umbelas. As
sementes são aquénios alados de castanho claro cuja dimensão vai de 4 a 8 mm com
reduzida dormência.
A cherovia selvagem, Pastinaca sativa subsp. sylvestris, é espontânea no Cáucaso, na Sibéria e
em vastas regiões do norte da Europa. O seu consumo atingiu o apogeu no tempo
da antiga Roma e em plena Idade Média. Decaiu, no entanto, drasticamente, após
a chegada da batata proveniente do Novo Mundo, cuja produtividade económica é
bastante mais elevada. Foi pena, porque a cherovia é uma raiz nutriente que tem
na sua constituição amido, fibras, proteína, óleos essenciais, antioxidantes e
abundantes sais minerais com destaque para o potássio mas também cálcio, fósforo,
betacaroteno e vitaminas C, K e do complexo B.
Apontam-se-lhe, entre outras, as
seguintes propriedades medicinais: alcalinizante, anti-inflamatória,
antifúngica, anticancerosa, depurativa, diurética, sedativa, colagoga,
prevenindo obstipações e reduzindo os níveis de colesterol.
A importância deste esquecido legume
manifesta-se sobretudo na área da gastronomia saudável. Devido ao seu forte
sabor e versatilidade a raiz carnuda da cherovia pode ser consumida crua (ralada),
cozida, estufada, grelhada ou frita às rodelas ou palitos, como se fora batata.
Integra maravilhosamente bem sopas, purés, guisados, saladas, molhos e
guarnições. Os rebentos tenros, após finamente migados, são igualmente
comestíveis.
Realce-se que a cherovia colhida na altura
das baixas temperaturas e após as geadas alcança um teor de açúcar mais elevado
do que o da cenoura, tendo mais conteúdo proteico e essência agradável.
A título de curiosidade, mencione-se que
na edição espanhola da obra “Guía para
recobrar y mantener la salud”, o autor americano Jack Soltanoff coloca a
cherovia na lista dos melhores 20 superalimentos.
Pretende-se, com mais esta croniqueta,
incentivar a diversificação dos alimentos ao arrepio do consumismo meramente
comercial que, como é sabido, assenta mais na rendibilidade económica e menos
na utilidade dos géneros destinados à nutrição. (Ver, a propósito, “Légumes anciens, Saveurs nouvelles”, de
Marianne Loison, edições France Agricole).
Apenas uma precaução: Se bem que todas
as variedades sejam úteis, deve-se evitar a subespécie espontânea Pastinaca urens, a qual pode
provocar, por simples contacto, graves dermatoses alérgicas. Sosseguem, contudo
os estimados leitores; ela não se encontra no nosso clima mediterrânico que é
proeminente em Portugal.
Miguel Boieiro, Maio
de 2020.