Saturday, December 24, 2022

 


TRIGO SARRACENO – um cereal de Inverno

A HISTÓRIA DO “PATINHO FEIO” ESQUECIDO

O “TRIGO NEGRO” VÍTIMA DE UM APARTHEID ALIMENTAR

Pilar da alimentação dos camponeses europeus na Idade Média e essencial até à Iª Grande Guerra Mundial, dos EUA até à Rússia, o trigo sarraceno, também chamado de trigo negro, trigo mourisco e Kacha, é, actualmente, quase exclusivamente utilizado para fazer crepes, e pouco mais!

É vítima de um apartheid alimentar, tão radical quanto injusto, em benefício do seu falso primo: o trigo branco.

Pensava-se, nos anos 1970 a 1980, que no fundo, o desaparecimento do trigo sarraceno não tinha nenhuma importância – o que importa que as pessoas prefiram o trigo branco? este trigo que nos dá uma farinha bem branca, com a qual se fazem as baguetes, os brioches crocantes! … e as pessoas têm o “direito” de não mais comer este feio “trigo negro”, primitivo, barato!

Deixamos, pois, desaparecer o trigo sarraceno dos nossos campos, dos nossos ecrãs e dos nossos pratos … sem reflectir … e a produção passou das 400.000 toneladas para as 20.000, entre 1918 e 1964 nos EUA, ou seja, teve um decréscimo de 95% …

E foi só depois de várias décadas que nos apercebemos o porquê dos nossos antepassados cultivarem e consumirem sarraceno, mais do que trigo branco … os seus benefícios deveriam ter sido óbvios … mas nós não o conseguimos ver …

BENEFÍCIOS PARA A AGRICULTURA

Os benefícios do sarraceno tornam-se evidentes logo que o semeamos.

Tem a propriedade de “abrir” o solo e de o limpar de ervas más - os imensos campos agrícolas da Rússia, e sobretudo dos EUA, não foram limpos com herbicidas, mas com sementes de sarraceno, que os primeiros colonos americanos tiveram o cuidado de levar com eles, e lhes salvaram a vida.

Enriquece naturalmente o solo com fosfato – o que evita o derramamento de fertilizantes químicos com o risco de envenenamento dos rios e lençóis freáticos. Foi o que tornou possível o cultivo, e a valorização de milhares de hectares de terras áridas: cultiva-se o sarraceno nas estepes da Rússia, da China, do Cazaquistão, e nas zonas montanhosas onde os cereais não crescem – que, no plano botânico, não é um cereal, mas um pseudo-cereal, tal como a quinoa e o amaranto.

As nossas modernas “agriculturas biológicas” descobriram uma outra razão para a antiga popularidade do trigo sarraceno: ele reduz as populações de Verticillium dahliae, uma bactéria que quebra o rendimento e a qualidade das batatas. O trigo sarraceno permite, pois, evitar os tratamentos modernos contra esta doença, a verticiliose, que são pouco eficazes e muito poluentes - compreende-se, assim, o porquê dos nossos avós, que praticavam a rotação das culturas, semearem sarraceno antes de plantar batatas no ano seguinte …

Enfim, o sarraceno atrai os polinizadores e alimenta uma fauna diversificada: é o garante de uma sã biodiversidade nos campos. As abelhas adoram-no e fabricam com ele um dos melhores méis que existem, escuro e muito saboroso. Talvez seja por isso que o sarraceno não era apenas popular no Ocidente. Os povos asiáticos deliram com ele, pois é com o trigo sarraceno que fabricam as deliciosas massas japonesas chamadas Soba, também muito populares na Coreia. Nos países dos Himalaias, faz-se uma espécie de caldo (papas). Na Europa de Leste e na Rússia faz-se a Kacha (grãos descascados e torrados).

Também do ponto de vista nutritivo e culinário, o sarraceno é bem mais interessante do que o trigo branco. Tem um rico sabor a avelã. Não contém glúten. Pode ser consumido por pessoas celíacas (intolerantes ao glúten) e por pessoas hipersensíveis ou doentes que procuram reduzir o seu nível de inflamação.

BENEFÍCIOS PARA A SAÚDE HUMANA - São inumeráveis.

Se substituirmos uma parte de farinha de trigo por farinha de sarraceno iremos emagrecer, porque o sarraceno sacia mais rapidamente. Contém mais fibra solúvel e tem, pois, um efeito benéfico sobre os intestinos. O sarraceno é bem mais digesto que o trigo. Os povos que comem sarraceno em vez de trigo têm menos problemas de peso, menos diabetes, menos cancros. É muito proteico e energético, aquece as extremidades e é um “médico-alimento específico” dos rins.

Numerosos estudos procuraram saber porquê. No entanto, parece ser a sinergia entre os numerosos componentes do sarraceno que explicam isso: o sarraceno contém muitos minerais, nomeadamente magnésio, fósforo, manganésio, zinco, vitaminas do complexo B e muitos antioxidantes.

Contém duas a doze vezes mais de fenóis, antioxidantes, que o trigo, a cevada e a aveia, e é muito rico em flavonoides, derivados da catequina e da epicatequina (anticancerígenos). A indústria farmacêutica extrai vários antioxidantes das flores e folhas da planta do trigo sarraceno, incluindo rutina, quercetina e proanthocyanes.

CONSERVAÇÃO

A farinha de sarraceno é muito mais frágil que as outras. Ela conserva-se no frigorífico ou, melhor, no congelador. Mas de preferência deveríamos moer o grão na hora, com o moinho de cereais ou de café.

AUTOR DE REFERÊNCIA

·       - Gérard Wenker – “Sarrasin, kacha, blé noir, etc.”

 

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