INSENCIBILIDADE E SUSCEPTIBILIDADE
E O CAMINHO DO “DO”
A
nossa vida deve passar por diferentes tipos de experiências. Algumas são
escolhidas por nós e outras chegam-nos inesperadamente. A vida não é linear,
está sujeita a ciclos, altos e baixos, entradas e saídas, alegrias e
infortúnios. Todos nós passamos por estas mudanças ao longo da nossa
experiência vital.
É
algo inevitável. Passamos por invernos e verões, tempos de fartura e tempos de
escassez, períodos de exuberante vitalidade física e períodos de penosa
debilidade. Ou seja, experimentar a saúde e a doença é algo por que todos nós
passamos ou teremos de passar. Realmente aprendemos mais durante a doença do
que durante a saúde. A experiência da doença é imprescindível para evoluirmos,
para nos aproximarmos da sabedoria. Na vida há tempos de calma e tempos de
crise. Yin e yang outra vez. Alternam-se eternamente e chegam a todos nós, quer
acreditemos nelas ou não. O tempo da saúde é um tempo "positivo" de
calma e confiança. Sentimos segurança. Mas o tempo da doença é um tempo de
crise, é universalmente considerado "negativo" já que a nossa vida e
a nossa segurança estão ameaçadas. Por isso quase todas as pessoas não querem
ter nada a ver com estas experiências difíceis. É uma reação emocional normal e
compreensível. Cegos pelas suas emoções nobres, muitos médicos e terapeutas
declaram guerra às doenças e trabalham duramente para combatê-las e é sua
intenção exterminá-las dentro do possível. Na sua maneira de conceber a vida,
acreditam que esta é a melhor maneira de ajudar a humanidade.
Mas
isso implica retirar um dos pólos da realidade. E isso é impossível.
Todos
nós preferimos os testes fáceis aos difíceis, o "bom" professor que
nos ajuda a passar no exame. Mas se numa universidade todos os exames e testes
fossem fáceis, os aí doutorados seriam os piores classificados e fracassariam
na sua área de acção e prejudicariam os seus clientes. Os grandes académicos
foram formados nas universidades mais prestigiadas, onde os exames são muito
difíceis e as exigências muito grandes.
O difícil não é agradável, mas é necessário para atingir a
mestria em qualquer domínio. A nossa vida é como um pequeno barco no meio do
mar que sobe e desce com as ondas. Quando estamos na crista da onda,
sentimo-nos fortes e seguros, mas quando nos precipitamos para o fundo,
sentimos medo e perigo. E ninguém quer este lado negativo da realidade. Saúde e
doença, calma e incerteza, segurança e perigo, amigos e inimigos, estabilidade
e instabilidade laboral são os picos e os vales que todos devemos experimentar.
Não é opcional. Somos obrigados pelo simples facto de existirmos num mundo
dual, mutável e imprevisível.
A
nossa compreensão limitada e a lógica reação emocional,
leva-nos
ao dualismo: amar o cume e temer o vale.
Assim,
amamos a saúde, a paz, a segurança e os amigos, e declaramos guerra à doença,
combatemos os inimigos, evitamos os riscos e condenamos a insegurança. E este
modo de pensar dualista não nos ajuda a evoluir nem a amadurecer
espiritualmente. É como amar o Verão e odiar o Inverno ou considerar o dia como
uma bênção e a noite como algo que deve ser temido. As crianças temem o escuro.
Mas
ambos são essenciais e ambos deveriam ser tempos positivos. Se formos
dualistas, só seremos felizes com 50% das experiências. Sofreremos metade do
tempo e metade das experiências. O yin é bom e o yang é mau? Inspirar é bom e
expirar é mau?
É
absurdo. Quando alargamos a nossa consciência, vemos que tudo tem a sua razão
de ser e que por trás do aparentemente negativo se esconde um diamante de
grande valor. Então, a saúde é o bom e a doença é o mau?
O
médico dualista dedica-se a lutar contra a doença. O médico monista esforça-se
por fortalecer a saúde, utilizando a motivação e o impulso que surgem da tomada
de consciência que aparecem durante a doença. Se não fosse a doença ninguém
poria fim aos seus abusos. A doença obriga-nos a refletir, a rever o nosso modo
de vida e a qualidade do nosso pensamento.
É a única coisa que nos obriga a deter na corrida louca em
direção a esses prazeres que nunca serão satisfeitos. É evidente que a doença
tem um grande perigo e pode acabar com a vida. Mas ainda assim, é a única
possibilidade de se fazer uma verdadeira revisão e de se renascer numa vida
esclarecida e de maior sabedoria. Não devemos ter medo da doença, embora
tenhamos de estar conscientes do seu perigo. As pessoas muito fortes abusam
durante toda a sua vida. Comem, bebem e satisfazem-se com tudo o que querem sem
se preocuparem com os limites. Gabam-se de nunca ficarem doentes e troçam
daqueles que "se cuidam".
Não
só abusam eles próprios como promovem o abuso e encorajam os outros a
segui-los. Como possuem uma forte resistência natural, herdada, não sentem os
efeitos tóxicos das suas práticas habituais. São insensíveis. Os médicos insensíveis encorajam os seus
doentes a comer carne, a beber leite, a tomar bebidas com cola para fornecer
potássio, a beber muita água para "lavar os rins" e comer muita fruta
para fornecer vitaminas. Como estas coisas não os incomodam, acreditam que às
outras pessoas lhes farão o mesmo que a eles. Prescrevem medicamentos fortes
como algo habitual, considerando que os efeitos secundários são mínimos
(estatisticamente). Baseiam-se em estatísticas. Se 90% das pessoas toleram bem
uma determinada medicação, então é quase inócua. Os restantes 10% devem ser
hipocondríacos, pelo que não lhes prestam muita atenção e ignoram as suas
queixas ou encaminham-nos para um psiquiatra.
A
pessoa insensível abusa até ao limite da sua resistência. Como nunca teve de
pôr limites a si próprio, quando chega a altura de o fazer, descobre que, por
falta de treino, é incapaz de se disciplinar e tem de pagar todas as facturas
em atraso. É tão grande o trabalho para se sensibilizar e tomar consciência que
esta tarefa acaba por ser agoniante. É o destino dos privilegiados com uma
constituição demasiado resistente. No outro extremo estão os susceptíveis.
Estas pessoas são demasiado frágeis e hipersensíveis. É o que se verifica
frequentemente entre os vegetarianos ou as pessoas muito orientadas para o
"natural".
A
diferença entre o insensível que goza despreocupadamente, o susceptível ou o
hipersensível sofre porque tudo lhe "cai mal". Vive cuidando-se,
avalindo tudo o que ingere, evita as "radiações" da TV ou do
computador, foge das pessoas temperamentais ou com "más vibrações". A
sua vida é muito limitada, porque a sua exagerada sensibilidade circunscreve-o
apenas a ambientes "saudáveis". São muito débeis, alérgicos a quase
tudo. São hipocondríacos porque se observam excessivamente. Yin e yang outra
vez. Susceptíveis e insensíveis.
O termo mais saudável seria o ponto de equilíbrio. A
sensibilidade fisiológica. A pessoa sensível, sente quando está a intoxicar-se
e modera-se naturalmente. Mas se porventura ou por opção tem de enfrentar um
ambiente ou uma experiência "tóxica", suporta-o perfeitamente. Confia
na sua capacidade de autorrecuperação e na sua resistência. Confia na sua
força, mas não abusa dela. Entrega-se a prazeres, mas percebe quando está a
começar a prejudicar-se. Se o médico fôr suscetível, poderá transmitir os seus
excessivos medos ao doente e este permanecerá mais ou menos doente. Quase
todos
temos tendência a identificarmo-nos com um destes dois extremos. Precisamos de
recuperar a nossa sensibilidade para não cairmos num ou noutro. Só assim
recuperaremos a nossa liberdade e alcançaremos a verdadeira saúde. Além disso,
seremos os seus promotores. A verdadeira sensibilidade não se herda.
Conquista-se. Temos de ter uma visão mais sensibilizante da vida. Ter uma
alimentação de qualidade, fazer exercício, meditar, estudar e perseguir
objectivos nobres que beneficiem todos.
Trata-se
de cultivar a sabedoria. Lamentavelmente esta não se ensina nas escolas
normais, pelo que devemos auto educar-nos e associar-nos a outros que tenham o
mesmo empenho. Isto ensinava-se nas escolas “Do” no Japão ou noutras culturas
antigas, como a Ayurveda dos Hindus.
No
Taoísmo, ensinava-se esta via através do estudo do yin e do yang, as duas
forças primordiais da vida. E a disciplina conhecida como macrobiótica é uma
versão moderna deste ensinamento. Não é boa nem má, nem melhor nem pior do que
outras escolas. É uma via, um caminho. Cada um deve, quando sentir que é o
momento, percorrê-lo com as melhores expectativas. E da sua compreensão,
vontade e progressos dependerão os resultados mais ou menos felizes. Àqueles
que se aventurem no caminho do “Do”, desejo-lhes uma vida plena !!!!
Dr. Martín Macedo, Uruguay - 2013.
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