Saturday, November 9, 2024

 




INSENCIBILIDADE E SUSCEPTIBILIDADE

E O CAMINHO DO “DO”

A nossa vida deve passar por diferentes tipos de experiências. Algumas são escolhidas por nós e outras chegam-nos inesperadamente. A vida não é linear, está sujeita a ciclos, altos e baixos, entradas e saídas, alegrias e infortúnios. Todos nós passamos por estas mudanças ao longo da nossa experiência vital.

É algo inevitável. Passamos por invernos e verões, tempos de fartura e tempos de escassez, períodos de exuberante vitalidade física e períodos de penosa debilidade. Ou seja, experimentar a saúde e a doença é algo por que todos nós passamos ou teremos de passar. Realmente aprendemos mais durante a doença do que durante a saúde. A experiência da doença é imprescindível para evoluirmos, para nos aproximarmos da sabedoria. Na vida há tempos de calma e tempos de crise. Yin e yang outra vez. Alternam-se eternamente e chegam a todos nós, quer acreditemos nelas ou não. O tempo da saúde é um tempo "positivo" de calma e confiança. Sentimos segurança. Mas o tempo da doença é um tempo de crise, é universalmente considerado "negativo" já que a nossa vida e a nossa segurança estão ameaçadas. Por isso quase todas as pessoas não querem ter nada a ver com estas experiências difíceis. É uma reação emocional normal e compreensível. Cegos pelas suas emoções nobres, muitos médicos e terapeutas declaram guerra às doenças e trabalham duramente para combatê-las e é sua intenção exterminá-las dentro do possível. Na sua maneira de conceber a vida, acreditam que esta é a melhor maneira de ajudar a humanidade.

Mas isso implica retirar um dos pólos da realidade. E isso é impossível.

Todos nós preferimos os testes fáceis aos difíceis, o "bom" professor que nos ajuda a passar no exame. Mas se numa universidade todos os exames e testes fossem fáceis, os aí doutorados seriam os piores classificados e fracassariam na sua área de acção e prejudicariam os seus clientes. Os grandes académicos foram formados nas universidades mais prestigiadas, onde os exames são muito difíceis e as exigências muito grandes.

O difícil não é agradável, mas é necessário para atingir a mestria em qualquer domínio. A nossa vida é como um pequeno barco no meio do mar que sobe e desce com as ondas. Quando estamos na crista da onda, sentimo-nos fortes e seguros, mas quando nos precipitamos para o fundo, sentimos medo e perigo. E ninguém quer este lado negativo da realidade. Saúde e doença, calma e incerteza, segurança e perigo, amigos e inimigos, estabilidade e instabilidade laboral são os picos e os vales que todos devemos experimentar. Não é opcional. Somos obrigados pelo simples facto de existirmos num mundo dual, mutável e imprevisível.

A nossa compreensão limitada e a lógica reação emocional,

leva-nos ao dualismo: amar o cume e temer o vale.

Assim, amamos a saúde, a paz, a segurança e os amigos, e declaramos guerra à doença, combatemos os inimigos, evitamos os riscos e condenamos a insegurança. E este modo de pensar dualista não nos ajuda a evoluir nem a amadurecer espiritualmente. É como amar o Verão e odiar o Inverno ou considerar o dia como uma bênção e a noite como algo que deve ser temido. As crianças temem o escuro.

Mas ambos são essenciais e ambos deveriam ser tempos positivos. Se formos dualistas, só seremos felizes com 50% das experiências. Sofreremos metade do tempo e metade das experiências. O yin é bom e o yang é mau? Inspirar é bom e expirar é mau?

É absurdo. Quando alargamos a nossa consciência, vemos que tudo tem a sua razão de ser e que por trás do aparentemente negativo se esconde um diamante de grande valor. Então, a saúde é o bom e a doença é o mau?

O médico dualista dedica-se a lutar contra a doença. O médico monista esforça-se por fortalecer a saúde, utilizando a motivação e o impulso que surgem da tomada de consciência que aparecem durante a doença. Se não fosse a doença ninguém poria fim aos seus abusos. A doença obriga-nos a refletir, a rever o nosso modo de vida e a qualidade do nosso pensamento.

É a única coisa que nos obriga a deter na corrida louca em direção a esses prazeres que nunca serão satisfeitos. É evidente que a doença tem um grande perigo e pode acabar com a vida. Mas ainda assim, é a única possibilidade de se fazer uma verdadeira revisão e de se renascer numa vida esclarecida e de maior sabedoria. Não devemos ter medo da doença, embora tenhamos de estar conscientes do seu perigo. As pessoas muito fortes abusam durante toda a sua vida. Comem, bebem e satisfazem-se com tudo o que querem sem se preocuparem com os limites. Gabam-se de nunca ficarem doentes e troçam daqueles que "se cuidam".

Não só abusam eles próprios como promovem o abuso e encorajam os outros a segui-los. Como possuem uma forte resistência natural, herdada, não sentem os efeitos tóxicos das suas práticas habituais. São insensíveis.  Os médicos insensíveis encorajam os seus doentes a comer carne, a beber leite, a tomar bebidas com cola para fornecer potássio, a beber muita água para "lavar os rins" e comer muita fruta para fornecer vitaminas. Como estas coisas não os incomodam, acreditam que às outras pessoas lhes farão o mesmo que a eles. Prescrevem medicamentos fortes como algo habitual, considerando que os efeitos secundários são mínimos (estatisticamente). Baseiam-se em estatísticas. Se 90% das pessoas toleram bem uma determinada medicação, então é quase inócua. Os restantes 10% devem ser hipocondríacos, pelo que não lhes prestam muita atenção e ignoram as suas queixas ou encaminham-nos para um psiquiatra.

A pessoa insensível abusa até ao limite da sua resistência. Como nunca teve de pôr limites a si próprio, quando chega a altura de o fazer, descobre que, por falta de treino, é incapaz de se disciplinar e tem de pagar todas as facturas em atraso. É tão grande o trabalho para se sensibilizar e tomar consciência que esta tarefa acaba por ser agoniante. É o destino dos privilegiados com uma constituição demasiado resistente. No outro extremo estão os susceptíveis. Estas pessoas são demasiado frágeis e hipersensíveis. É o que se verifica frequentemente entre os vegetarianos ou as pessoas muito orientadas para o "natural".

A diferença entre o insensível que goza despreocupadamente, o susceptível ou o hipersensível sofre porque tudo lhe "cai mal". Vive cuidando-se, avalindo tudo o que ingere, evita as "radiações" da TV ou do computador, foge das pessoas temperamentais ou com "más vibrações". A sua vida é muito limitada, porque a sua exagerada sensibilidade circunscreve-o apenas a ambientes "saudáveis". São muito débeis, alérgicos a quase tudo. São hipocondríacos porque se observam excessivamente. Yin e yang outra vez. Susceptíveis e insensíveis.

O termo mais saudável seria o ponto de equilíbrio. A sensibilidade fisiológica. A pessoa sensível, sente quando está a intoxicar-se e modera-se naturalmente. Mas se porventura ou por opção tem de enfrentar um ambiente ou uma experiência "tóxica", suporta-o perfeitamente. Confia na sua capacidade de autorrecuperação e na sua resistência. Confia na sua força, mas não abusa dela. Entrega-se a prazeres, mas percebe quando está a começar a prejudicar-se. Se o médico fôr suscetível, poderá transmitir os seus excessivos medos ao doente e este permanecerá mais ou menos doente. Quase

todos temos tendência a identificarmo-nos com um destes dois extremos. Precisamos de recuperar a nossa sensibilidade para não cairmos num ou noutro. Só assim recuperaremos a nossa liberdade e alcançaremos a verdadeira saúde. Além disso, seremos os seus promotores. A verdadeira sensibilidade não se herda. Conquista-se. Temos de ter uma visão mais sensibilizante da vida. Ter uma alimentação de qualidade, fazer exercício, meditar, estudar e perseguir objectivos nobres que beneficiem todos.

Trata-se de cultivar a sabedoria. Lamentavelmente esta não se ensina nas escolas normais, pelo que devemos auto educar-nos e associar-nos a outros que tenham o mesmo empenho. Isto ensinava-se nas escolas “Do” no Japão ou noutras culturas antigas, como a Ayurveda dos Hindus.

No Taoísmo, ensinava-se esta via através do estudo do yin e do yang, as duas forças primordiais da vida. E a disciplina conhecida como macrobiótica é uma versão moderna deste ensinamento. Não é boa nem má, nem melhor nem pior do que outras escolas. É uma via, um caminho. Cada um deve, quando sentir que é o momento, percorrê-lo com as melhores expectativas. E da sua compreensão, vontade e progressos dependerão os resultados mais ou menos felizes. Àqueles que se aventurem no caminho do “Do”, desejo-lhes uma vida plena !!!!

Dr. Martín Macedo, Uruguay - 2013.



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